terça-feira, abril 12, 2011

o FMI, o Histerismo e Eu

Não nasci em berço de ouro, nem sequer de prata. Devia ser de madeira, como se usava na época. Desde que me lembro de ser gente, nunca vivi com abastança, nem com desperdício. Também nunca passei fome nem tive falta do que era essencial. Eram tempos difíceis para a grande maioria dos portugueses, e era com as dificuldades que se aprendia a crescer, sem alaridos, nem depressões ou traumas por falta daquilo que não se podia ter. Vivia-se em "casas" alugadas, muitas vezes pombalinas, andares altos, sem elevador, o que era óptimo para o cardiovascular e com a grande vantagem de evitar um montão de horas perdidas para chegar ao emprego. Depois os tempos mudaram. Começou a viver-se melhor. Podemos ter opinião e possibilidade de a expressar. Começámos a aprender a viver em democracia e a dar valor à paz. Em simultâneo, começámos a ostentar orgulhosamente uma pequena colecção de cartões de crédito e a usá-los indiscriminadamente para pagar os Nike's e a carne no supermercado. Descobrimos que era bom ser proprietário e vai de ceder às facilidades do crédito bancário e comprar um apartamento nos arrabaldes da cidade, e um carrito para ir e vir diariamente, de casa para o emprego e vice-versa. Por tabela passámos a coabitar com as prestações para pagar no final de cada mês, com o colesterol e afins, com os nervos destrambelhados pelas filas de trânsito, com a filharada a exigir roupas de marca, desde as cuecas aos jeans. E lá fomos vivendo, consumindo e desperdiçando alegremente, tudo o que vinha de fora, porque o que vem de fora é que é bom. E assim, grão a grão se gastou aquilo que não se tinha para gastar. Um dia acordámos e aí estava o tal do FMI. Não me lembro se foi da 1ª ou da 2ª "visita", que me ficaram com um mês de ordenado. A mim e a mais uns milhares. Aumentaram os impostos, mas o povo português é sereno. Refilou-se um bocado, apertou-se o cinto durante uns tempos e lá se foi vivendo e esquecendo a história da formiga.E agora aí está ele outra vez. Era de esperar. O que não era de esperar era todo o histerismo criado à volta daquilo que já se previa ser inevitável. Já nem se fala de futebol... ele é a Merkel, os Sócrates, o FMI, a crise, a vampirice e os jogos obscuros dos mercados financeiros, os doutos conselhos de uns, o gozo de outros, que não valemos nada, que devíamos era desaparecer do mapa e voltar a ter um rei a hablar espanhuelo. Decididamente não tenho paciência para todos estes arautos da desgraça, nem para quem lhes dá voz. Para as gritarias, insultos e politiquices rasteiras, que afinal se resumem a defender tachos. Todos os dias saio à rua e não me acho a viver num país diferente. Vejo menos carros a circular na última semana do mês, o que só é bom para o ambiente. Vejo mais bébes a passar o dia com os avós, o que só faz bem a ambos. Vejo mais desempregados, alguns porque acham que servir bicas é uma indignidade, outros porque se tornaram subsídio-dependentes e nada fazem para deixar de o ser. Provavelmente não será tão depressa que se vai poder trocar o T2 por um T3, para se ter um escritório para mostrar aos amigos. Nem trocar de carro para fazer inveja à vizinhança. Vamos ter que pagar mais impostos? Vão-nos tirar uma fatia aos ordenados e às reformas? Sinal que temos ordenado ou reforma, e que, apesar de tudo isso, vamos continuar a viver.Vamos ver todos os dias o sol a nascer, os putos a ir para as escolas e para as creches, os mais idosos a serem solidários, ou a usufruirem da solidariedade. Vamos aproveitar os nossos maravilhosos areais e o mar que os banha, os nossos parques, os nossos jardins, os nossos museus (aos domingos de manhã, que são de borla). Se não pudermos ir sozinhos de carro, vamos de transporte público ou fazemos uma "vaquinha". Os amigos só nos fazem bem. Vamos apaixonar-nos por alguma coisa, por alguma ideia ou por alguém. Temos que consumir menos? Pois vamos relembrar como é consumir menos, desperdiçar menos, comprar linha branca, produtos nacionais, dar o nosso pequeno contributo para sairmos do buraco. Muitos poucos fazem muito. Vamos ser optimistas, acreditar que dias melhores virão.

E vamos exigir àqueles que em nosso nome dirigem os destinos deste país que é o meu, e que quero que continue a ser, que façam o mesmo.