quinta-feira, julho 10, 2008

O Cortejo Ingénuo dos Nossos Sonhos




Não desenhamos uma imagem ilusória de nós próprios, mas inúmeras imagens, das quais muitas são apenas esboços, e que o espírito repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele próprio, na sua formação.

Qualquer livro, qualquer conversa, podem fazê-las surgir. Renovadas por cada paixão nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os nossos últimos desgostos. São contudo bastante fortes para deixarem em nós lembranças secretas, que crescem até formarem um dos elementos mais importantes da nossa vida: - a consciência que temos de nós mesmos, tão velada, tão oposta a toda a razão, que o próprio esforço do espírito para a captar, a faz anular-se.

Nada de definido, nem que nos permita definir-nos; uma espécie de potência latente...como se houvesse apenas faltado a ocasião para cumprirmos no mundo real os gestos dos nossos sonhos; conservamos a impressão confusa, não de os ter realizado, mas de termos sido capazes de os realizar. Sentimos esta potência em nós, como o atleta conhece a sua força sem pensar nela. Actores miseráveis que já não querem deixar os seus papéis gloriosos, somos, para nós mesmos, seres nos quais dorme o cortejo ingénuo das possibilidades das nossas acções e dos nossos sonhos.

André Malraux, in 'A Tentação do Ocidente'




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