domingo, julho 06, 2008

Pôr-do Sol


Partir do nada e criar qualquer coisa que sabemos que vai estar ali para gerações vindouras, pode e deve deixar-nos imbuídos de um sentimento de orgulho.
Foi esse sentimento de obra feita que deixei reentrar em mim, que deixei que alagasse a minha alma expulsando dela pensamentos derrotistas, sentimentos de amargura e de perda. Nós somos natureza, em nós nada se perde, só temos que dar um tempo para que aquilo que foi mau se transforme em bom, para que a nossa memória retenha os momentos positivos, deixando que os outros, os que queremos esquecer, se esfumem no tempo.

Voltei a ver-te, pedaço de terra ,tal como te vi da primeira vez, chorando de abandono, pedindo que alguém cuidasse de ti, te livrasse das ervas daninhas, te desse de comer e de beber, em troca de promessas de abundância.

Fui buscar a água às entranhas da terra e assim te dei de beber. Lavrei-te e estrumei-te e assim te dei de comer. Ofereci-te as sementes e tu cumpriste as promessas de fartura e de multiplicação.

Cuidei da tua vinha secular, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida, e ela recompensou-me com vindimas abundantes, que ajudei a transformar em vinho.

E para poder cuidar de ti, pedaço de terra fértil, ajudei a construir a casa e dela fiz um lar. E voltei a limpar-te dos entulhos que não faziam parte de ti e criei os jardins, semeei relva, plantei flores, arbustos e árvores e tudo agradeceste e fizeste crescer. E em troca duma batata me davas vinte, e dum grão de milho várias maçarocas, e davas-me searas de aveia e de centeio, e fazias da minha horta o meu orgulho.

Os choupos que te ofereci, pequeninos como crianças, transformaram-se em gigantes que tocam o céu, embalando os ouvidos de quem os escuta com o marulhar das suas folhas agitadas pela brisa e com o chilrear das aves que nelas procuram abrigo. E as rosas banhadas pelo sol quente do ribatejo perfumam o ar com o seu aroma inebriante.

Foi tudo isto e a ti que hoje deixei - por muito ou pouco tempo, não sei -, entregue a outras mãos.

Uma mescla de sentimentos contraditórios, de apego e de aversão, de encanto e de desencanto, salpicados pela solidão, fizeram com que partisse. Trouxe nas minhas mãos as marcas dos anos em que de ti cuidei.

Deixei-te com promessas de iguais desvelos, mas de certeza com menos amor. Perdoa-me por isso.

Nem sei se algum dia para ti voltarei, pedaço de terra, mas nunca vou esquecer tudo o que me deste, tudo o que me ensinaste.




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