quinta-feira, maio 29, 2008

DERBY


Estádio Nacional - Meados da década de 50
Jogava-se naquele domingo mais uma final da Taça de Portugal, entre os rivais de sempre, Benfica-Sporting. Desde manhã cedo que se viam chegar magotes de pessoas, famílias inteiras carregadas de cestas atafulhadas de pastelinhos de bacalhau, tachos de arroz de tomate, embrulhados em papel de jornal para se manterem quentinhos, o indispensável garrafão de vinho e também, que não se faziam piqueniques todos os dias, um ou outro pão-de-ló que as avós faziam de véspera. A grande maioria tinha partido bem cedo da Praça do Comércio, e feito a viagem até à Cruz Quebrada no Eléctrico 15B, aberto de alto a baixo ,de bancos corridos, com estores às risquinhas, deixando entrar a brisa do rio e o calor dos primeiros raios de sol daquela manhã lindissima de Primavera.
Respirava-se um ar de festa nas matas do Estádio Nacional. A criançada aproveitava o dia inesperado ao ar livre para correr e subir às árvores, enquanto as mães estendiam as mantas, onde depois punham a toalha e os pratos de esmalte, gritando à pequenada que estava na hora de almoçar, que o jogo iria começar em breve, que os homens, ansiosos pela jogatana, já tinham abalado para encontrar o melhor lugar, mesmo à beira da ribanceira fronteira ao estádio, de onde esperavam poder assistir ao derby sem pagar bilhete, que de qualquer forma não poderiam pagar sem cortar no bife que já só comiam uma vez por festa, que os tempos à época eram difíceis.
Por esta altura, ainda a atmosfera era de bucólico sossego, embora lá para a frente alguns mais excitados já tivessem começado a envolver-se em despiques de vocabulário menos próprio para ouvidos mais sensíveis.
Em algumas das mantas que tinham servido de mesa, dormiam crianças esgotadas pela correria e pelo ar puro, enquanto mães e avós faziam renda conversando provavelmente sobre as coisas da vida.
Foi então que, de repente, estalou a confusão e o pânico, com a GNR a cavalo a investir contra o povoléu desprevenido que via o jogo à revelia, atravessando a mata a galope, distribuindo cacetada, as mães gritando pelas crianças e arrastando-as pela ribanceira abaixo enquanto os mais velhos puxavam as mantas onde se misturavam restos de arroz de tomate com pedaços de pão-de-ló, ao mesmo tempo que tentavam com os olhos encontrar o resto das famílias, com quem iriam regressar a casa, provavelmente discutindo, com as mulheres amaldiçoando a hora em que se tinham deixado levar pela conversa envenenada do passeio às matas do Estádio Nacional.

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